segunda-feira, 10 de abril de 2023

[As coisas que ficam]

 O post que vou fazer aqui é completamente inútil, e, sinceramente, espero que ninguém o leia. Se você chegou aqui, seria melhor vasculhar estes três outros posts:

Post 1

Post 2

Post 3

Eu sou deprimido em si, então não precisa ter conteúdo. Por isso mesmo que não vale a pena ler este post, ele é só um desabafo desnecessário, mas eu pretendo que ele seja meu último post e como o assunto é ligado ao mundo olavette, ele ficará aqui.


Vou tentar ser sucinto: eu tenho a impressão de que a onda olavette está no fim. Atenção: impressão.

Antes da parte depressiva, vamos pra uma parte útil

[Parte Útil]

Primeiramente, o trabalho da coleta da história da roda olavette, como da história anti-olavette, já tentei várias vezes, mas em nenhuma delas senti que estava fazendo do "jeito certo". Você pode perguntar "mas existe um jeito certo?"

Eu lembro de quando tentava aprender programação por conta própria. O que a gente costuma fazer é inventar um projeto divertido pra fazer e usá-lo para treinar as habilidades. E isso é ótimo. Só que, anos depois, quando fui aprender programação formalmente, eu vi que coisas que levei semanas pra fazer podiam ser feitas muito mais facilmente, bastando usar uma técnica que na época eu não conhecia. Mas não é só que não conhecia: não parecia ser necessário conhecer nada além das técnicas que eu já usava naquele momento - e mais as pouquíssimas que fossem me aparecendo mais ou menos ao acaso. Algo visto no 1º ou 2º período de um curso de programação eu não sabia. Claro que, por outro lado, uma vez que eu vi a técnica, eu sabia o valor dela. "Caramba, isto aqui resolve aquele problema lá muito rapidamente! Como eu era burro!"

Pegue um caso desses. Existem dois lados: fazer com os recursos disponíveis ou conhecer mais recursos. Se se escolhe pelo primeiro, pode estar faltando bastante coisa. Dá pra fazer? Dá, porque com a intenção de fazer, se é sincera, eventualmente vai-se buscar por ferramentas para tapar os buracos. Essa é uma característica da intencionalidade humana: uma mãe não precisa "saber bebeês", ela vai construir uma linguagem pelo desejo ardente de comunicar com o seu filho. Aquele negócio de O Segredo tem no fundo essa verdade: quando você realmente quer algo, sua mente vai em estado ativo e passivo dar mais atenção aos elementos capazes de realizar aquele desejo. Por outro lado, NÃO É inerente a esse desejo a perfeição. Ou seja, nele não está embutido o elemento "mas não interessa só fazer com as ferramentas mais imediatas que deem certo, mas, sim, buscar o melhor meio de fazer a coisa". É por isso que somos o povo do "jetiinho": o jeitinho significa fazer dar certo, não necessariamente com o máximo de eficiência (velocidade) ou de eficácia (resultados finais). Diga-se de passagem, a evolução da cultura tem exatamente essa intenção: aumentar a velocidade, e, portanto, o potencial de fazer mais coisas em menos tempo, e a eficácia, ou seja, atingir a intenção com cada vez mais precisão.

Eu acompanhei várias tentativas de montar o projeto anti-olavette, ou seja, de defesa do Olavo. Quando um programador entra na história, o projeto fica aparentemente mais eficiente, ou seja, coleta mais dados mais rapidamente, mas perde em eficácia, porque ter uma grande quantidade de dados não significa saber o que fazer com eles para atingir a meta.

Então, também as minhas tentativas de projeto, vi recentemente, eram absurdamente ineficientes e ineficazes. Havia a intenção, e eu até soube começar a desenvolver um método de trabalho, mas faltou ainda mais método, ainda mais técnica. Notei isso com essa nova tentativa (ilustrada no 1º post). Realmente mudou tudo, e realmente eu fui bem mais longe do que pensei que fosse capaz, e em pouco tempo. Claro que, de novo, a experiência acumulada ajuda na hora de ter um novo método: permite perceber seu poder e encaixá-lo nas práticas mais facilmente.

Mas, inclusive esse exemplo me fez perceber com mais força algumas coisas. E aí vamos entrando na deprimência.


[Deprimência]

Então volta a pergunta: "Mas existe um jeito certo?" Existe primeiro a intenção sincera de fazer a coisa. Ela é essencial. Em seguida, as ferramentas. Eu posso ter a intenção de ser um grande poeta, mas sem a técnica poética, eu vou ter a intenção, mas não os meios expressivos. Então eu posso dizer que existe um jeito certo, e ele é não uma técnica, mas a soma de duas intenções: 1º o desejo de fazer a coisa; 2º o desejo de adquirir os melhores meios possíveis de fazê-la.

Vamos expandir, não sem certa arrogância: é como se eu dissesse que o Bem é a boa intenção somada à busca pelo meio mais eficaz possível (e, só em segundo plano, mais eficiente possível, se se pensa em fazer mais Bens em menos tempo). A tendência geral brasileira é ficar apenas no primeiro. Mas o desejo de fazer algum bem, se não é somado ao melhor meio de fazê-lo, implica em horrores. Como saber qual é a solução de um problema sem buscar conhecer o problema? Nós não temos as soluções exatas para tudo, e às vezes nem mesmo um palpite. Então a pessoa saca o primeiro palpite que vem na cabeça e toma com o mesmo peso de uma solução exata. Quanto mais sério for o problema - ainda que a pessoa não o reconheça, e, nesse caso, por sério quero dizer que tenha efeitos destrutivos de curto e longo prazo - menos podemos dizer que a pessoa fez um bem se não buscou saber qual seria o melhor meio de resolver o problema.

Esse é o grande problema do povo do jeitinho. Nós somos bem intencionados, mas ao menos implicitamente superestimamos nossas capacidades. Ou subestimamos o tema. 

E aí entra o problema. 


[As coisas que ficam]

Todo o movimento dos últimos anos foi, de nossa parte, uma patinação no improviso. E não dá pra falar só na boa intenção. E às vezes nem isso: ninguém aqui é santo, então a intenção nunca é pura. Algumas são mais impuras e outras menos, mas em comum existe a tendência geral de ter apenas o primeiro dos elementos que comentei pra o bem, não o segundo. Não buscamos metodologia, não buscamos método, não nos questionamos sobre nossas ações, sobre o que valeria a pena ser feito mesmo, sobre o que os outros estão fazendo, não tentamos medir esforços para tentar ter um quadro melhor da situação de produção e nem do entorno fora da roda olavette.

De minha parte, na minha experiência ao longo dos anos, eu identifico alguns problemas. Posso estar errado, são só palpites, mas me parecem verossímeis. Se a ideia é absorver alta cultura (e o que raios é alta cultura, afinal? Você buscou ativamente entender a diferença da tal alta cultura pra Luiz Gonzaga e Anitta? Ou dois ou três deles são a mesma coisa?), me parece, pelo que venho observando do Olavo, do Bruno, do Manuel Bandeira e cia., que falta:

  1. Na camada mais externa, uma absorção das artes eruditas, para saber do que raio se tratam. De preferência, no processo, aprender a distinguir formas (a diferença de soneto pra cordel, na literatura, de fuga pra tema e variação, na música, de Tarantino e Tarkovski, no cinema, de Picasso pra um desenho de criança, na pintura);
  2. Numa camada mais interna, perceber, nas artes, a ação da inteligência que está presente também nas demais habilidades humanas (técnica). E aí adentrar nas profundezas do funcionamento da inteligência. Para um artista essa etapa não é plenamente necessária, mas um artista precisa estar consciente da função da inspiração na sua produção, ainda que lhe dê outro nome;
  3. Numa camada ainda mais interna, o estudo sobre como estudar. O que é entender um texto, ferramentas de pesquisa contemporâneas (saber baixar os vídeos do youtube, páginas do instagram etc., que servem de documento);
  4. Por fim, tomar posse da sua própria história com gosto. É nela que surgem os temas nos quais quanto mais você cavar, mais as outras 3 camadas se manifestam.
É possível ir de 1 pra 4 ou de 4 pra 1, ou em ordem diversa, mas esses quatro elementos me parecem em falta. De modo geral, o primeiro é o que é mais fácil de aparecer, mas sem um tratamento mais abrangente.

"Mas e daí?", você pode perguntar, "por que isso importa?" 
Ainda que não se verbalize nem sistematize, esses 4 pontos são modos de colocar o 2ºelemento da questão, o "o que falta para fazer direito". Quanto menos você os domina (e há outros, mas esses são fundamentais), não é que você não faça a coisa, é que por mais que a faça, quanto menos você conhece desses 4 pontos, mais a obra parecerá perfeita, sem ser.

"Mas está feita, qual o problema?"
O problema é que o futuro não se importa com o que está feito. Ainda mais com a tonelada de documento que será legado daqui pra frente. Ele se importa com o que serve. E serve aquilo que dá depoimento arraigado a alguma coisa. Pode ser arraigado unicamente ao espaço, como um livrinho simples sobre fatos da região; pode ser arraigado à técnica com que se constituiu a matéria, e aí são as artes, por exemplo; pode ser arraigado ao discernimento do espírito, e aí, em geral são obras artísticas, mas com menos foco na perfeição técnica (como Dostoiévski); pode ser um depoimento pleno de alguma religião (e aí a santidade, por exemplo). Em ordem crescente de valor. Algo desse tipo de assunto já chegou até você?

Honestamente, eu vejo pouca coisa desse tipo de reflexão em torno não só da roda olavette, como da cultura brasileira em geral. E isso é um mal sinal.


[Deprimência]

"Quem é você pra falar essas coisas?"

Absolutamente ninguém. Sem brincadeira nem humildade, são os fatos. Não tive nem tenho pretensão de deixar um legado, nem de salvar a cultura brasileira, menos ainda a política, nem nada. Eu realmente só me empolgada de assistir o Olavo, e sua presença me fez querer conhecer mais sobre esses assuntos. E foi um trajeto muito maluco, na verdade. E eu quero, e espero, que este aqui seja o ponto final do trajeto. Ao menos, pelos próximos anos.

Quando se coloca na balança o que tem acontecido nos últimos anos, eu tenho fortemente a impressão de que nada disso vai sobreviver no tempo. Tá, é verdade que nada se dissolve sem deixar efeitos: toda a roda olavette e as derivações que dela nascem trouxeram algo de educação para muita gente, e, sem eles, nada disso teria acontecido. Mas eu não acho que nada disso é suficiente para quebrar a barreira da época. Não li muito, mas me parece que existe uma barreira, que podemos chamar de Espírito de época (Zeitgeist), mas não no sentido de aquilo que se deve encarnar, mas, ao contrário: existe de modo geral o grupo que o encarna e o grupo que se opõe a ele. O Zeitgeist, ou seja, a tendência geral da nossa época, é evidentemente o "progresso" (gênero neutro e todas as demais formas de inclusão, expansão da escolarização para expandir o poder do Estado etc.) e o que se opõe a isso é uma sucessão de grupos dissonantes entre si. E, no caso brasileiro, praticamente recém-nascidos. Mas isso não é a solução do problema: é o problema. A solução significa ir além do Espírito de época, não como quem faz uma integração entre progresso e conservação, mas como quem busca uma chave que pudesse servir para qualquer outra época.

Vejam bem: houve vários projetos educativos (ou equivalentes) ao longo do século XX: Mortimer Adler fez um gigantesco (vejam The Great Ideas Project), Mário Ferreira dos Santos fez outro, Ariano Suassuna, no Movimento Armorial, fez outro, mas todos, sem exceção, pereceram. E aí tem o Olavo, que, pra mim, fez o mais bonito de todos, e, no Brasil, o que mais gerou efeitos. Na minha visão, ele soube criar um motivo para consumir cultura - e esse, aliás, é o grande problema - encaixando dentro de uma luta contra o comunismo, no Brasil, e a elite globalista, no mundo. Essa "aventura" construiu o joguinho que é o território onde faz sentido consumir alta cultura, literatura, aprender Latim etc. etc.. Isso definitivamente não existia mais. Essa é a questão das questões.

Por que não consumimos literatura, nem arte erudita, nem em específico a literatura brasileira ou afins? Porque não há motivo. Por que as pessoas não querem todas ser santas? Porque não há motivo. Um projeto desses é o nascimento de um contexto onde motivos aparecem. 

  1. Para Mortimer Adler, a cultura era um meio de se tornar um cidadão consciente e livre para servir melhor ao país -- mas ele não resolveu o problema do multiculturalismo e foi afogado; 
  2. Para o Mário, era formar filósofos super-homens capazes de mediar os problemas brasileiros -- mas ele não meditou sobre os desafios psicológicos pra chegar até aí para só então ser capaz de absorver sua filosofia;
  3. Para o Suassuna, a cultura era o meio de construir um orgulho para o povo e um meio de ascensão à alta cultura (educação) -- só que ninguém disse que o povo queria ter orgulho, menos ainda ascender a uma cultura que não lhes fazia sentido (não por acaso foi o que morreu mais rapidamente);
  4. O do Olavo eu já narrei, mas, afinal, ele me parece que também vai sofrer um golpe similar ao do Mortimer Adler.

Em nenhum desses casos houve propriamente uma meditação sobre o que é e pra que serve a cultura em si, e cada um desses elementos (alta cultura, cultura popular etc.). Nunca foi necessário: a elite era a elite, o povo era o povo, e a cultura de cada um já era evidente no próprio curso da vida comum. Se nasceram esses projetos educativos (além de outros) é porque entramos num contexto de mescla das classes sociais. Houve 2 fases: 

- a primeira fase foi a do nascimento do intelectual de classe média, pela necessidade crescente de manter uma sociedade cada vez mais industrializada, portanto requerente de mão de obra mais qualificada. É daí que surge a pressa pela escolarização técnica no mundo, ao longo do século XX, e daí também que pode surgir a crítica do Ortega y Gasset (A rebelião das massas, 1929), do Carpeaux (A Ideia das Universidades e as Ideias das Classes Médias, publicado por volta de 1942), denunciando o nascimento desse novo intelectual cada vez mais "orgânico", portanto com uma formação mais ordenada desde fora, por não ter propriamente interesse no estudo, mas na profissão;

- a segunda fase, em que vivemos, é o que veio depois. É também da industrialização que nasce a "cultura de massa", ou "cultura industrial", distinguindo-se então cada vez mais da "cultura popular". Esse é progressivamente o alimento principal do intelectual orgânico, mas ele ainda tem lembrança do intelectual anterior, então ainda tinha vergonha de consumir essa cultura. Mas aí entra a internet e a cultura de massa atinge o seu apogeu, ao mesmo tempo em que nasce essa nova "modalidade", que é a dos produtores individuais. Esse novo intelectual cybernético ameaça o espaço dos intelectuais orgânicos como estes ameaçaram os primeiros. E aí professores com medo da internet, e aí o terror pelas fake news, e todo o contexto em que vivemos atualmente.

Nada desses contextos está sendo devidamente levado em conta. Iniciativas como a do ICLS levam-no em conta, mas sem propor nenhum tipo de solução pro problema em si, apenas pra sua proposta (o que pra mim é sinal de que a coisa vai perdurar). Mas eu suspeito, e só suspeito, que seja necessário para a cultura, no meio de toda essa confusão, retomar o valor das coisas. Qual o valor da cultura mesmo, da literatura mesmo, do Latim mesmo, fora do contexto colocado pelas propostas pedagógicas. Antes não era preciso, depois foi encaixado contextualmente, mas, agora, após a morte do último que oferecia um contexto original, talvez só possam nascer novas propostas uma vez que se tenha retomado o sentido real disso tudo, se for possível fazê-lo. Fora disso, toda a roda olavette está explícita ou implicitamente dentro do contexto de sentido aberto pelo Olavo. E este contexto morreu - não a causa dele, ou seja, a batalha contra o comunismo e o globalismo -, mas o sujeito que conseguia ordenar em si o sentido dessas coisas. Então me parece que tudo o mais cairá do mesmo modo, porque o sentido dessas coisas não existe mais, e não existe força suficiente na direita nem pra responder o Zeitgeist, porque não há (nem de longe) gente suficiente estudando e discutindo entre si as questões do lado oposto, como a arte moderna, a ênfase nas diversidades etc., menos ainda superar a disputa do Zeitgeist. No Zeitgeist reina a disputa de um lado tentando tornar o outro parte de si; na superação, ambos entram parte de um esquema constante não só para o presente.

Faltou domínio, faltou a busca do bem genuíno como expliquei nos dois fatores, sobrou mescla de intenções menos dignas. E eu suspeito que o Tempo cobrará seu preço, e isso me entristece bastante. De tudo o que vi na vida, a roda olavette (e a do ICLS) foi a coisa mais nobre, mas da morte do Olavo em diante não sei mais o que sobra. A cultura como um todo parece caminhar para o fim; e parecemos estar caminhando para uma vida cada vez com menos capacidade de compreensão e entendimento, porque estes só podem existir com as 4 ferramentas que citei, e elas são cada vez mais substituídas por conteúdo mastigado pop, seja acadêmico, seja olavette, seja propriamente de esquerda. O que nos restará no final de tudo isso? Eu não consigo deixar de pressentir uma destruição total, mas não sei, nem sei como seria.

Mas estas são, espero, minhas últimas palavras. Vou voltar ao projeto olavette, vou pensar em mais meios de fazê-lo melhor, e se terminar eu tento disponibilizar, apesar de não saber se ou quando terminarei. No mais, preciso cuidar da minha vida, que está uma bagunça. Daqui pra frente a vida parece que vai apertar cada vez mais, e é preciso se preparar, seja pro tempo de vacas magras, seja pra o meteoro. Vamos adiante, e, infelizmente, sem olhar pra trás. Até mais.

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