Pois bem. Esta série de post está tentando decifrar um conjunto de habilidades que o Olavo pretende ensinar e que constituem a base da inteligência humana. A primeira delas é coragem.
Citações úteis:
1) Tudo em volta induz à loucura, ao infantilismo, à exasperação imaginativa. Contra isso o estudo não basta. Tomem consciência da infecção moral e lutem, lutem, lutem pelo seu equilíbrio, pela sua maturidade, pela sua lucidez. Tenham a normalidade, a sanidade, a centralidade da psique como um ideal. Prometam a vocês mesmos ser personalidades fortes, bem estruturadas, serenas no meio da tempestade, prontas a vencer todos os obstáculos com a ajuda de Deus e de mais ninguém. Prometam SER e não apenas pedir, obter, sentir, desfrutar.
2) "O homem deve ter a coragem de ser bom quando tudo em volta o convida a ser mau." (Lipot Szondi)
3) A paciência é o começo da coragem. E é mesmo. Se você não consegue sofrer calado, sem choramingar nem amaldiçoar o destino, muito menos vai conseguir agir certo quando surgir a oportunidade.
4) A verdadeira coragem é sempre moral. Coragem é não fugir da morte, da derrota, da humilhação.
5) A coragem nasce do amor ao próximo, é só isso. Então, não se preocupe em ser corajoso, pois a coragem é um resultado, não uma causa. A causa é o amor ao próximo ou falta dele.
6) Toda covardia é um egoísmo e uma falta de amor ao próximo. Se o sujeito é covarde, é porque ele está querendo se preservar em primeiríssimo lugar, ou seja: aconteça o que acontecer — pode cair o mundo —, ele tem de sair inteiro. A pergunta é: por que você e não o seu vizinho? Lembrando a frase de Eric Voegelin: “Toda vida humana está integrada em uma hierarquia de bens”. Isto é básico. Hierarquia de bens: este bem que eu desejo não é tão valioso quanto aquele outro. Por exemplo, a vida moral começa no instante em que o bebê tem de escolher entre a posse de um objeto desejado e a amizade com o irmãozinho, não dá para ter as duas coisas ao mesmo tempo. Sempre se tem de fazer uma escolha, e nessa escolha entra uma hierarquia de bens. Nós estamos fazendo essas escolhas o tempo todo e quando fazemos a escolha errada, em geral, é porque não nos lembramos que existe uma hierarquia, que existe o mais importante e o menos importante; [que existe] a perspectiva da vida eterna ou a limitação da vida a este espaço terrestre.
7) No último livro do célebre exorcista Pe. Gabrielle Amorth, Judas Iscariotes, falando diretamente do inferno e forçado por Nossa Senhora a dizer somente a verdade ainda que a contragosto, explica uma das razões do sucesso do diabo no mundo contemporâneo:
-- Nunca as pessoas obedeceram tanto quanto hoje. A obediência está na moda.
Pensem nisso, por favor, vinte e quatro horas por dia.
8) Vivemos numa época moldada pela pergunta de Groucho Marx: "Afinal, você vai acreditar em mim ou nos seus próprios olhos?"
Para que coragem?
O que significa isso?
O 1º, principal, é o de contar sua própria história. Isso significa o seguinte: ao longo do dia, nossa mente nos sugere memórias de atos bons ou maus que fizemos; nós reagimos a essas memórias de forma instintiva, com um aumento momentâneo na confiança ou um desgosto. Mas não é só pra isso que precisa servir a memória: esses atos involuntários podem servir de ocasião para que relembremos e aprofundemos esses momentos, para que tentemos analisá-los sob nova ótica. É também ocasião para puxar novos momentos, e assim aprofundamos nossa consciência biográfica, a matéria de base para, por exemplo, pensar numa forma de conjunto.
O 2º, de Hugo de São Vitor, implica em rastrear a origem de uma ideia sua. Ou seja, você pode estar no banho, no ônibus, e de repente pensar num relacionamento e chegar a, ou já pensar diretamente sobre, como você se relaciona com pessoas, quais são suas expectativas. Quantas expectativas e modos de se relacionar não são emulados dos programas juvenis como Malhação Eu mesmo, numa vez em que assisti dois episódios de novela para um estudo, já estava querendo imitar o estilo de um rapaz de se aproximar de uma garota. Idem, nas amizades - será que você criou a expectativa de Friends, de amigos inseparáveis, de um amor ao estilo "lobster", que termina e volta, mas que no fundo está destinado a dar certo? Ou talvez pegou dos desenhos japoneses? Os famosos que temos acesso são feitos em maioria numa forma rigorosíssima para um público de 13 a 20 anos, e tratam da vida como adolescentes procurando o seu bando a quem obedecer. Não há histórias que falem da construção de uma vida individual e uma família, mas sim a conquista de um talento para servir a um bando de referência - à guilda, à tripulação, ao time, ao laboratório, "à empresa", enfim, etc.. Todo o material que consumimos nos influencia, quer tomemos consciência disso ou não. Meditar sobre nossos modos de agir e suas possíveis fontes de um lado nos liberta, de outro nos fornece um poderoso recurso de análise literária. Ou seja, rastrear essa origem, ainda que fique imprecisa, é ganhar ao mesmo tempo a liberdade para pensar em modos diferentes de comportamento. É o mesmo recurso usado para se desaculturar, que tratarei depois.
5- Na medida em que se adquirem ideias diferentes das do meio ("saber é saber o que os outros não sabem"), você se tornará esquisito, e isso te colocará num confronto, como em (b). Olavo viveu esse confronto sozinho, mas ao mesmo tempo ele conheceu uma época em que existia ainda pessoas que o faziam - somado ao talento desenvolvido para alguma arte, são, afinal, os grandes nomes de um país, que conseguem produzir algo acima das expectativas dos demais. Não muda o fato de que ele conheceu uma solidão maior do que qualquer aluno do COF pode hoje até imaginar. A criação do Seminário, como ele mesmo disse, era em boa parte para criar um ambiente propício para que o sujeito não se sentisse só. Ele comemorava inclusive os casamentos surgidos assim. Imagine o contrário: imagine que tudo o que você tem são livros e dvds, você aprende sobre a inteligência e tudo o mais que existe de conflitos individuais, sociais, espirituais, mas não tem a internet para conversar, só tem o ambiente imediato (sua família, seus amigos, sua cidade, por exemplo). Você aguentaria uma vida toda assim?
A acusação de seita é uma imagem idiota construída no fato de que Olavo se esforçou por construir um espaço virtual onde fosse possível facilitar a vida dos alunos para conhecerem pessoas que também tinham os mesmos interesses, representados pelo próprio COF. Assim o lema das aulas iniciais do COF "Amizade é amar as mesmas coisas e odiar as mesmas coisas". Olavo queria permitir a construção de amizade não no contexto de momento, como quem faz amizade contextual com um colega de turma que logo depois se esquece, ou numa fila de banco, ou no barzinho, ou mesmo por ser vizinho, e a única ligação real existente é esse contexto, que não tem peso para a construção de uma vida com sentido e com valor efetivo. Viver só dessas amizades é "prostituir sua consciência", como Olavo diz, na medida em que você se fecha para o que poderia ser a mais, acima desse contexto, e que só você pode saber o que é pela abertura da sua própria biografia. Como o COF preparava para isso, então o ambiente em torno é perfeito para essas discussões, coisa que nunca se vê em nenhum outro tipo de grupo de estudos. E é isso o que estranha tanto quem vê de fora.
6- Não se trata em (b) de ser mal com seus amigos da "velha vida", de xingá-los etc., mas sim de tirar o foco dali. É possível que entre os amigos haja quem queira conhecer essa nova modalidade de posição existencial, e nesse caso dar-lhe apoio é inclusive um exercício de aprendizado para você. Quem não quiser, não quer. Olavo recomenda mil vezes a ausência de revolta, aprender a ser caridoso com todos (ver aqui), mas ser caridoso não é doar a grande parte da sua atenção para quem não quer aquilo que você considera o que há de mais valor na sua vida. É preciso coragem para sabe romper, e coragem para saber não odiar.
7- É também aqui que o estilo de palavrão, de xingamento, de se colocar contra o establishment, como Olavo fez no Imbecil Coletivo I e II (no II ele comprou briga pra defender o Pedro Sette Câmara, então jovem universitário perseguido) servem para nos ilustrar a coragem de defender "seus próprios olhos". Se como efeito colateral pode gerar uma arrogância extrema, facilmente despistada caso o outro tenha de fato mais conhecimento, essa postura do Olavo gerou o que de fato tanto se queria da nossa geração: gerar pessoas questionadoras. Falou-se muito isso, mas é óbvio que só se aplicava a um conjunto pequeno de coisas, fato aliás percebido na medida em que, pela expansão das coisas questionáveis, rapidamente se criou uma sucessão de conflitos no país. A coragem de enfrentar o meio vai desde esse sentido imediato de confronto, a fim de ganhar a liberdade pessoal de questionar (eu vi erros em autores grandes, e se não fosse Olavo preferiria dizer que eu estava delirando), mas é também, como no tópico 4, reconhecer as ideias que te formaram e se permitir criar novos padrões de comportamento, apostar em novas ideias, em suma, conforme o que te parecer mais justo.
O objetivo primeiro da educação superior é negativo e dissolvente: consiste em “desaculturar”, no sentido antropológico do termo: desfazer os laços que prendem o estudante à sua cultura de origem, às noções consagradas do “nosso tempo”, à ilusão corrente da superioridade do atual, e fazer dele um habitante de todos os tempos, de todas as culturas e civilizações. Não se pode chegar a nada sem um período de confusão e relativismo devido à ampliação ilimitada dos horizontes. Não basta saber o que pensaram Abrahão e Moisés, Confúcio e Lao-Tseu, Péricles e Sócrates, ou os monges da Era Patrística: é preciso um esforço para perceber o que eles perceberam, imaginar o que eles imaginaram, sentir o que eles sentiram. Não se preocupe em arbitrar, julgar e concluir. Em todas as idéias que resistiram ao tempo o bastante para chegar até nós há um fundo de verdade. Apegue-se a esse fundo e faça sua coleção de verdades, não se impressionando muito com as contradições aparentes ou reais. Aprenda a desejar e amar a verdade como quer que ela se apresente. Acostume-se a conviver com as contradições, já que você não terá tempo, nesta vida, para resolver senão um número insignificante delas.
O sujeito que nunca tenha lido um livro até o fim, mas que de tanto vasculhar índices e arquivos tenha adquirido uma visão sistêmica do que deve ler nos anos seguintes, já é um homem mais culto do que aquele que, de cara, tenha mergulhado na “Divina comédia” ou na “Crítica da razão pura” sem saber de onde saíram nem por que as está lendo.
“Várias vezes, em décadas passadas, a impossibilidade quase absoluta de infundir nas pessoas do meu círculo mais próximo um lampejo de interesse pelas coisas do espírito me levou ao mais negro desespero e até a contemplar a possibilidade do suicídio. O apego delas à mais mesquinha banalidade do dia-a-dia se erguia diante de mim não apenas como um muro impossível de saltar ou furar, mas como quatro paredes que se estreitavam progressivamente, sufocando-me.” (grifo meu)
Mesmo que um escritor não tenha a menor intenção religiosa, não escapará da máxima de Antonio Machado: ‘Converso com o homem que sempre vai comigo — quem fala só espera falar a Deus um dia —; O meu monólogo é conversa com este bom amigo. Que me ensinou o segredo da filantropia.’Condenar-se é usurpar a função do diabo; perdoar-se, a de Deus. Não perca tempo com essas coisas. Tente apenas compreender-se e ajudar-se, e faça o mesmo com todo mundo. Creio que este é ‘el secreto de la filantropía’.Quando me acusam de um mal que não cometi, busco sua analogia próxima ou remota com algum que cometi e sempre descubro alguma coisa útil, da qual o acusador não tem idéia próxima nem remota.Gustave Flaubert, que era um ateu, e Henry Miller, que era um pornógrafo, praticavam o exame de consciência tão bem ou melhor do que qualquer católico que eu conheça.