segunda-feira, 4 de abril de 2022

Blog não retomado - provável fim

1- Introdução

Bom, minha ideia era retomar o blog, mas no fim das contas não tenho estabilidade suficiente pra fazer isso. É fraqueza mesmo. Fiz o post no facebook sobre "O Novo Imbecil Coletivo", ou, antes, o próximo que deve vir no futuro, e, novamente, gostaria de deixar registrado que não se trata de uma reclamação com a obra efetivamente feita por nenhum dos nomes citados - e não-citados para falta de exaustão -, mas apenas um pressentimento, pela minha observância nos ambientes, de algo que provavelmente vai acontecer a longo prazo. Isto é, a perda da habilidade de integração do saber, pelo seu esfarelamento sem uma reintegração nem pública [debates], nem pessoal [filosofia].
"Quem és tu para dizerdes isto?" 
- Absolutamente ninguém. Individualmente, socialmente, publicamente, mesmo nas rodas olavettes. E, como este é o meu último post, tenho a expectativa de permanecer cada vez mais como um ninguém. Desde o começo eu entrei nessa mais pela brincadeira [mas consciente de que o assunto era sério] do que propriamente por alguma outra razão, seja vocacional, seja religiosa ou o que for. Voltarei ao que eu queria: brincar. Tudo o mais me trouxe uma carga de estresse excruciante, e, como não sou ninguém, desnecessária.
Vamos ao tema principal.

2- O Novo Imbecil Coletivo - Amostragem

É por efeito de marketing que chamo assim. O título verdadeiro, acho eu, seria algo como "o espelho estilhaçado" ou "monólogos coletivos", porque não se tratam nem de longe de imbecis, muito pelo contrário, são pessoas que eu pessoalmente admiro, e não ousaria nem dizer que estou minimamente próximo do nível efetivo de nenhum. Digo isso porque quero que prestem atenção: o ponto não é o conteúdo desenvolvido, é simplesmente um contraste percebido entre o que cada um trabalha e a condição real e efetiva da cultura tal como eu a investigo. Posso estar errado? Com certeza. Aceito discussões? Adoraria. Mas tenham em mente também que este é meu post de despedida, então não garanto que darei plena atenção daqui em diante. Mas tentarei, ao menos no que já está publicado neste blog.

2.1-Do que eu estou reclamando quando reclamo?

2.1.1- Pessoas

2.1.1.1- Rafael Falcón
Rafael Falcón é um alunho brilhante? É um aluno brilhante. Mas há 2 pontos que ele ilustra que me incomodam.

a] Sua postura classicista exagerada, quase robótica, remove do horizonte de interesses dos seus alunos outros autores.
Assim, por exemplo, no esforço de manter o rigor da poesia clássica, ele perde de vista - ou talvez não ele, mas seus alunos com certeza - o valor para além desse rigor, que é, por exemplo: 

I] A transformação histórica nos usos da linguagem. Quem quiser compor com a língua do século XVI em pleno século XXI não percebe nem o quanto de imagens e legado foi adqurido nesse tempo, nem adquire um senso da coerência de forma e conteúdo. Menos ainda uma compreensão viva e prática da evolução da histórica refletida na língua, na literatura e nas imagens escolhidas. Compare-se o mundo imagético de um Baudelaire com o de um Bruno Tolentino, uma Cecília Meireles, um Manuel Bandeira etc., e assim se adquire uma grande variedade de formas poéticas e seus usos bem colocados num português gostoso, bem como estilos e indivíduos distintos.

II] A poesia não se restringe à mensagem de um poema em particular, mas da proposta poética, do conteúdo tomado em conjunto etc.. Tudo isso some de vista. Assim, por exemplo, Bandeira conta uma narrativa ao longo das suas obras da aceitação da morte, e do amor à linguagem. O ouvinte rigoroso do Falcón perde acesso a tudo isso na medida em que se foca só na linguagem com a medida clássica. Idem, Fernando Pessoa é quem melhor demonstrou, até onde vi, o que é um poeta, de onde nasce a poesia, e como ela transfigura até uma vida vazia em mistério. Em suma, o que é a "personalidade poética" [não lembro o nome preciso] da 9ª camada. É em Pessoa na poesia e nas lições poéticas de Stravinsky, o músico modernista, que melhor vemos essa descrição.

b] Idem, a mesma postura meio robótica, especializada, excessiamente rigorosa, talvez seja a razão dele não ter percebido ainda um "macete" no seu próprio trabalho.
Como seu estudo sobre os 4 graus de letramento nasce rigorosamente de uma inestigação histórica, Falcón não arriscou - ou ao menos ainda não demonstrou tê-lo feito - experimentar sua hipótese não como algo "da época do trivium, quando havia grandes dominadores da linguagem", mas como regra geral para o aprendizado de qualquer idioma. Quer dizer, a passagem do passivo bruto incompleto para o passivo culto não poderia ser justamente a régua de medida que distingue um "passivo bruto incompleto" e um "passivo culto" em filosofia? E por que não em programação Python? Ou em andar de bicicleta? Existe na própria absorção de uma habilidade qualquer estágios, que vão da repetição mecânica à percepção espontânea e integrada dos seus usos, e, me parece, foi isso o que no fim das contas o Falcón descobriu - e, uma vez colocado no seu devido lugar, ele passaria de um investigador histórico para um filósofo, porque daí dá para construir todo um sistema filosófico, uma porta de compreensão da filosofia. Ele não fez, nem, me parece, nada parecido, precisamente pelo seu rigor. Eu teria algumas reclamações menores, que dizem mais respeito a sua posição social do que ao conteúdo efetivo do seu trabalho, mas essas eu tiro dele  a responsabilidade e colocarei mais adiante.

Nota geral: O rigor do Falcón é consequência da sua ênfase na linguagem clássica. Até onde sei, ele começou como professor de latim - e apareceu até num jornal local -, e daí foi evoluindo a partir da perspectiva do desenvolvimento da linguagem. Ele quer ver o latim, os usos mais complexos, como forma de desenvolver a compreensão linguística. E vai até aos extremos da absorção gramatical excessiva - o que não é errado, mas Olavo não pediu isso - injeçando seus alunos tal como sua própria percepção, se vocês levarem em conta que meus pontos a e b são justos.

2.1.1.2- Paulo Cantarelli
Discípulo de Raimundo Carrero, portanto herdeiro da Geração de 65 [Ângelo Monteiro, Alberto de Cunha Melo em menor grau] e igualmente do movimento armorial do Ariano Suassuna, o Paulo, até onde vi, tem uma ênfase numa estética que tenha ordem interna e coerência, simplicidade e comunicabilidade. Assim, seu estilo é uma mescla do cordel ibérico [a bela infanta] e o "esteticismo europeu" [Flaubert]. Não interessa o conteúdo da obra, nem seu efeito cultural, mas sim a obediência à estética, de modo que um conto bem feito vale mais do que páginas de Dostoiévski. Assim, seus discípulos acabam perdendo acesso a essas obras, como no caso do Falcón, na proporção de obediência, por enfocarem excessivamente na estética e de pouco a nada no conteúdo a ser comunicado.
Mesmo autores de "má estética" possuem uma ordem interna, e esse tipo de habilidade não será herdado do seu trabalho. Bernanos tem um estilo de descrição sentimental de causa-efeito dos personagens, como Doistoiévski do psicológico, que são em si mesmas técnicas maravilhosas, que um escritor melhor poderia tentar adaptar a uma estética própria. Esquecem-se, sobretudo os discípulos, que foi a estética discociada da intenção cultural que gerou o caos da arte moderna, com as propostas fechadas de estética, perfeitamente justificáveis do ponto de vista da arte, mas totalmente distantes do público, fechando acesso inclusive ao desenvolvimento da capacidade estética sem antes fazer um curso inteiro para compreender o básico. Assim, por exemplo, a proposta de Schoenberg na música, ou o velho caso das escolas de artes plásticas, do cubismo, futurismo, etc.. Stravinsky, Villa-Lobos entram aí como um meio-termo entre o caos ordenado de uma arte fechada em seus muros e um esforço por comunicabilidade, seja nas formas clássicas como na matéria tratada. A cegueira dos novos jovens desejosos de um lugar ao sol na escrita faz-lhes perder o interesse por aquilo que os abriria para um universo espiritual muito mais profundo, que se refletiria em suas obras. Como especialistas que veem apenas a sua especialidade, acabam perdendo tudo o mais que lhes escapar. Como o antropólogo que não decifra religião nenhuma por querer ser imparcial e seguir as regras a risca.

Polêmica: 
Sendo Falcón alguém que defende ardorosamente Camões, e Cantarelli alguém que despreza Camões, pelo mesmo motivo - a gramática usada em excesso -, e troca Camões por Cervantes, eu imagino aqui e ali como seria uma discussão de ambos, e o quanto o público de cada um dos lados perde por não saber o lado do outro - novamente, sobretudo os que mais se prenderem no unierso de cada um desses, conforme o grau de admiração.

2.1.1.3 - Eu falaria também do Francisco Escorsim, em conjunção com os três, mas conheço menos o seu trabalho. Ao invés disso, vou passar pra temas polêmicos pra demonstrar a treta na prática.

2.1.2 - Tópicos de Amostragem

2.1.2.1- Latim
A morte do Olavo gerou à dissolução do seminário de filosofia em um centro cultural. Isso não é problema nenhum: era centrado em uma pessoa, agora serão várias, mas tentando retomar as linhas da pessoa originária. Ok. Mas me irritou ver rios e rios de palaras gastas para falar, quando o administrador do projeto tentava propor aulas de latim, sobre técnicas de aprendizado, e brigas, e "mas o Grande Falcón diz A", "mas a Schola Latina diz B", e farpas pra lá e pra cá, como baratas tontas. Isso me irrita porque representa uma queda de nível. Não se pergunta o mais básico: a] Para que estudar latim? b] Para que Olavo propôs o latim? Do geral ao específico. Vou tentar fazer uma descrição geral, para demonstrar como ao menos se expõe a confusão. Então temos aprender latim para:

I] Dominar uma língua estrangeira

II] Conhecer os clássicos em língua latina

III] Complementar o estudo da língua portuguesa

IV] Dominar as relações gramaticais de uma língua

Vou tentar ser breve na descrição desses 4 motivos [pode haver outros, mas só consigo pensar nesses como principais].

Em I e II cabe a Schola Classica, ou seja, o latim pelo método natural. No caso de II, dá para complementar com manuais dos mais diversos tipos, desde Familia Romana, do Instituto Vivarium Novum, até aulas à parte, imersivas. É óbvio que aqui haverá menor enfoque gramatical, no sentido de tomado conscientemente: o método natural enfoca maior rapidez na absorção da língua, mas menor consciência linguística. É bom para aprender qualquer idioma, mas não, por exemplo, para aprender a ler poesia ou usos complexos desse idioma.

III] Com o latim estudado assim, o foco é menos no aprendizado linguístico e mesmo gramatical e mais, por exemplo, nas heranças na nossa língua. Assim, estudar etimologias [eu adoro o site "Origem da Palavra", apesar de estar descontinuado], para saber, por exemplo, a conotação de pueril, que não é de poeira [algo insignificante], mas de puer, criança [algo no início do desenvolvimento], e que dizimar vem de dez, como em dízimo, implicando deixar uma décima parte. Dizimar não é aniquilar [que vem de nihil, nada], então as pessoas usam O TEMPO INTEIRO dizimar como se fosse aniquilar, e não percebem a bosta que ficará seu texto quando for lido depois, até por eles mesmos. Percebam que nada disso é propriamente latim, mas adquirir conhecimentos de latim acelerará muito o processo, além de abrir a curiosidade. Qualquer material serve aqui, mas o essencial é ser complementado por essa atenção à semântica das palaras. É perceber a presença de prefixos e sufixos latinos [emascular, concordar] ou gregos [epiderme, hipoderme], da aglutinação de radicais gregos [esquizofrenia], distinguir palaras vindas do grego [blasfemia], das latinas [coração], das árabes [algodão], indígenas [tapioca], e de demais locais. Em textos sérios, isso sempre é levado em conta: mesmo expressões tomadas como óbvias, às vezes são de origem estrangeira [last not least, 'por último, mas não menos importante', all's well that ends well, 'tudo termina bem quando acaba bem'], a distinção entre música popular e "pop music" etc., tudo isso entra dentro dessa abordagem do latim. Vai muito além da língua latina, obviamente, ela se torna um recurso a partir do qual abranger essa atenção da conotação das palavras, que é algo monstruosamente importante não só para escritores, como para qualquer um que queira sair da "língua da mídia", a prisão "cronocêntrica" imposta pela língua do dia.
Assim, por exemplo, II e III são complementares no sentido de abrirem ao sujeito a visão de uma língua mais profunda e de uma outra cultura. Mas podem ser feitos separadamente.

IV] Em grau menor, é a intenção do Olavo. E, para isso, ele recomenda o gramática latina do Napoleão Mendes de Almeida. No todo, a intenção do Olao passeia entre II, III e IV, mas sobretudo III e IV. Falcón eleva esse lado ao ápice quando enfoca no domínio das relações gramaticais "em geral", e das relações de figuras de linguagem, para ter uma plena preparação na leitura. É como estudar um idioma estrangeiro pela sua gramática, memorizando-a. É, diga-se de passagem, diametralmente oposto ao ponto I, é complementar ao ponto II [como o método do Falcón demonstra], e para o III é como usar uma bazuca par matar uma mosca. Exise uma importância efetiva no domínio gramatical pleno, mas pelos alunos que vi do Falcón, acho III mais importante que IV tomado de forma plena, e não como a sugestão do Olavo.

Acho que por aqui já é suficiente, então, para resumir, temos: I] método natural [Schola Classica, Familia Romana etc.], II] gramática+dicionário+os livros [potencialmente pode servir o Napoleão, e mesmo as sugestões de I], III] Pegar um material com vocabulário, como Napoleão ou o do Paulo Rónai, aprender os rudimentos do Latim e enfocar na língua portuguesa [leitura dos clássicos e bons usuários da língua, como o próprio Olavo], IV] A gramática latina do Napoleão, o método do Falcón ou, afinal, largue o latim e foque em pegar uma gramática portuguesa qualquer [como a do Celso Cunha] e tentar entender as relações lógicas das partes da oração em português mesmo.

++
A intenção do ensino, na minha opinião, vale mais do que o ensino propriamente dito. Você pode gastar horas de ensino para algo sem sentido. Se não há um rumo desde o começo bem ordenado, a coisa acaba em nada. Ao contrário, se há um rumo, mesmo que fique meio caótico - como as aulas do COF - o efeito vai acontecer, vai estar presente.

2.1.2.2 - Formação do Imaginário
Puta que pariu, quanta abobrinha escabrosa eu escuto aqui"" [estou sem ponto de exclamação, "" = exclamação] Cada um cria seus fantasmas sobre o que diabos é imaginário [""], encaixa no seu projeto pessoal [""] e cria monstros que para o público aparece como um rio mais podre do que o Gangis. Só sobrevive a ele quem é nativo dali, porque, pelas caridade, o resto não desenvolveu anti-corpos suficientes""
Então, o que diacho é o imaginário? A palavra é óbvia, é o conjunto da capacidade imaginativa do sujeito. Mas o termo específico, da roda olavette, dá pra colocá-lo em 2 aspectos principais:

a] "Coleção de figurinhas"
Sabem por que asiáticos para nós parecem todos iguais? E por que os desenhos, para os mais velhos, são "tudo pikachu"? E por que um asiático ao ver brasileiros dirá, com razão, que acha os brasileiros todos iguais? É porque nossa capacidade distintiva não se baseia nos dados sensíveis. É óbvio que ao ver dois japoneses lado a lado e dois brasileiros, um Neymar e um Ronaldinho Fenômeno, será possível distinguir os 4, e seja um asiático ou um brasileiro poderá reconhecer que há mais traços de similaridade entre os dois asiáticos [sei lá, Shikura Chiyomaru e Miyano Mamoru] do que entre os dois brasileiros. Mas na hora em que sumirem de vista, ou, pior, diante da multidão, não será mais possível fazer essa distinção.
O que acontece aqui é o fenômeno das figurinhas. O otaku que assiste animes saberá distinguir de imediato os traços de animes, e que no mínimo pertencem a obras distintas, mesmo sem conhecê-las, mesmo que o traço do desenho japonês seja muito mias rigoroso e metrificado do que o americano [compare-se Johnny Test, Phineas e Pherb, Padrinhos Mágicos e A Vaca e o Frango com, sei lá, One Piece, Kimi Ni Todoke, Steins;Gate, Death Note]. A diferença entre o otaku e seus pais não-otakus é a quantidade de figurinhas acumuladas na memória. Idem, duas pessoas, uma que saiba várias espécies de árvores e outra que não, ao descreverem um passeio no bosque. Ou um que goste de carros e outro que não ao descreverem a mesma andada na rua. Aquilo que está na sua memória, aquilo que foi fruto da sua atenção no passado, atrai a percepção para novos elementos no presente: e nosso cérebro compara esses dados e distingue os detalhes. Quem não conhece árvores, a não ser que tenha a atenção despertada por algum motivo [alguém pediu anteriormente ao passeio, por exemplo] para lembrar-se, cairá na ideia genérica: "lá havia árvores, mas não sei bem quais". Talvez a memória tenha notado algo de específico, de chamativo, como uma árvore grandona, ou uma bonita etc., mas isto é tudo. O mesmo vale para carros, para asiáticos na visão de brasileiros, para brasileiros na visão de asiáticos, para ouvintes de música com o ouvido treinado vs sem, para quem consuma literatura como Paulo Cantarelli etc..  Vale, sobretudo, no nosso caso, para dois elementos extras: a atenção à linguagem e a atenção à situações humanas.
Quando se fala "formação do imaginário", as duas primeiras intenções que, creio eu, estavam na mente do Olavo era a atenção ao sofrimento humano e a atenção à linguagem.

I] Sofrimento humano.
Assim como pessoas, carros, árvores, também "situações humanas" ou "sentimentos humanos" são objetos que passam pela nossa memória e são facilmente esquecíveis, na proporção inversa ao total de casos guardados na memória. Assim, quem ouviu muita fofoca mesquinha sabe lembrar facilmente e prestar atenção à mesquinharia, quem ouviu muita tristeza dos outros se torna uma espécie de psicólogo para os amigos, porque sabe reconhecer e lidar melhor com a situação, enquanto outros simplesmente ignorariam ou cortariam o assunto. Aquilo a que você dá atenção se torna você. É por essa razão, dentre outras, que Olavo sugere o desenvolvimento do imaginário como condição fundamental para o amor ao próximo: é a absorção de casos de dramas humanos que amplia o seu repertório na hora de ouvir e medir o drama do outro. Não é essencialmente necessário literatura: o "psicólogo dos amigos" de certo modo já faz isso, só que como sua imaginação só contém os casos banais do seu meio, ele perde um pouco em profundidade. Ainda assim, já cumpre o dever de atenção ao outro, que os demais não fazem, tal como não fazem ao tentar distinguir japoneses: simplesmente porque não tem base na memória para isso, e começar do zero, ainda mais sem saber que precisará da memória no começo, os faz simplesmente perder o interesse.
Do mesmo modo a poesia enquanto relatos de sentimentos humanos e experiências humanas específicas. Os relatos da poesia do Bandeira, o livro Tarde do Olavo Bilac afinaram minha percepção dos sentimentos de um jeito que um tratado não o faria, porque ali eu estou vendo a coisa de modo concreto, e medindo com meus próprios sentimentos e situações que conheço. Aliás, esse é o modo certo de ler poesia: como numa conversa de bar, quando Bilac chega e fala "tu já sentiu que tem um abismo de vozes no seu peito pedindo ajuda?" e você fala "poxa, eu até nem vi, mas um amigo meu vive ajudando os outros, e sente que eles pedem ajuda o tempo todo. É assim que você se sente?"

b] "Desaculturação"
No artigo anterior eu falei mais sobre isso, e sugeri uns artigos do Olavo a respeito. Aqui serei mais breve. Em resumo, como no caso do estudo do latim para a língua portuguesa, nós tendemos a entender tudo com base nas imagens que absorvemos. Essas imagens serão, via de regra, da mídia [regulada por um padrão de expectativa do público e das leis], da escola [regulada pela BNCC e PCNs], do ambiente em torno [caótico, mas mais ou menos fácil de prever, pelo efeito dos dois primeiros]. Em suma, criamos uma expectativa de como deve ser a vida, de como reagem as pessoas e como nós devemos reagir, de como funciona o mundo e o que devemos buscar etc.. Tudo, absolutamente tudo nos é dado pelas imagens/linguagem que absorvemos do meio. Se você tivesse nascido no Japão, em primeiro lugar pensaria integralmente em japonês, e, a rigor, seria budista/xintoísta, não cristão ou ateu ou o que for que esteja em moda por aqui. E assim toda sua visão de mundo seria diferente. "Ah mas eu podia ser japonês e cristão", claro, se absorvesse seus próprios modelos, além dos comuns do meio [ou por busca própria ou por fortuitamente nascer em um lugar de cultura minoritária]. Entendem? É inevitável. Mesmo com a internet, nós vivemos numa expectativa de recepção cultural em primeiro lugar dado pela nossa língua [quem aqui vai ler os 300 poemas da dinastia Tang, ensinados às crianças chinesas, sem saber a língua chinesa? Da onda a pessoa vai sequer ouvir falar e ter interesse, mesmo que recentemente, pelo interesse crescente na China, tenha ganhado uma tradução br?]
Assim, por mais que você não acredite, que não queira, que jure de pés juntos que não, você verá as culturas estrangeiras como "pikachus" assim como seus pais veem os desenhos, porque falta a você figurinhas. E, se falta figurinhas, também a sua compreensão da sua própria cultura será presa às expectativas do meio. Só dá pra ter uma visão mais abrangente, perceber, em suma, as minúcias, e tomar opções diferentes, na medida em que você mesmo agregue suas opções: que aprenda a pensar aproximadamente como um chinês, como um romano, como um francês, como um português, como um brasileiro do século XVI, e, assim, essas figurinhas abram a sua percepção dos detalhes da sua própria cultura. Isso, em suma, é desaculturação, e é a única liberdade que podemos realmente adquirir. Tudo o mais é apenas perambular pelas possibilidades já inerentes à cultura disponível a qualquer um e, portanto, suas ideias, mesmo que pareçam novas e originais, provavelmente são as de milhares de outros. Fora da absorção ativa de figurinhas, de dentro ou de fora da cultura de origem, nós também viramos um na multidão, e culturalmente nos tornamos indistinguíveis uns dos outos, mesmo que pensemos ser diferentes, por ignorância.

2.1.2.2.1 - A quem ensinar a formação do imaginário?
Não sabendo distinguir nem mesmo esses dois pontos"", surgem declarações monstruosas, como "ah o cara vai ler Dostoiévski e ficar doido", "ah isso é só pra intelectual erudito", "ah a sociedade vai ser destruída se fizermos isso", "ah não importa imaginário", "ah o imaginário deforma a imaginação ["" "" ""]" etc. etc. É óbvio que são misturebas das mais grotescas.

Em primeiro lugar, é claro que consumir muita pornografia fará o sujeito ter expectativa por pornografia. Consumir muita historinha melosa, seja dos dramas coreanos, das novelas da globo, do que for, criará a expectatia por essas paixões. Mas algo sempre será consumido: as pessoas não vão parar de ver e ouvir coisas, nem de buscar entretenimento. Só que elas estão buscando onde? Óbvio também que apenas consumir obras clássicas não fará tanta diferença se não houve nenhuma orientação. E, com esse monte de merdas sendo faladas, é porque o que está havendo é uma puta desorientação"" "" Eu fico ruído de raiva quando vejo essas coisas, porque ainda que vá haver uma distinção entre o que as pessoas consumirão, na prática, nós não devemos lhes fechar as portas, como Olavo jamais permitiria, mas, ao contrário, mostrar as possibilidades, mostrar o bom uso, e deixar que cada um escolha o que fazer com a sua porca vida. 
O aspecto da desaculturação pode não ser necessário em larga escala: a pessoa pode não precisar ler culturas estrangeiras. Mas quem disse que ela não sariia lucrando se consumisse as outras culturas do seu próprio país? E como diabos querem manter um movimento nacionalista de pessoas que nunca consumiram nada do sentimento nacional profundo? [Villa-Lobos, Lima Barreto, Machado de Assis, o próprio Olavo, etc.]. A pessoa conhece Programa do Ratinho, uma coleção de animes de temporada, the walking dead e super-heróis americanos, e quer ter raízes brasileiras. Ô meu saco"" E quando começa a buscar a cultura brasileira, surgem as várias senhoras muralhas para terminar de barrar o acesso do cara ao que poderia conhecer de algo fora do presente. Então ele volta a ser arrastado pelo presente, e, com raízes curtas, daqui a pouco muda de assunto. E assim é a direita no nosso país. A esquerda tem suas raízes, e todo mundo adentra ao menos no nível popular na cultura histórica. Mas quem se importa com a vida real? E que tal irmos a ela?


2.1.2.3 - Cultura no Brasil
Tem muito mais pontos que eu poderia abordar, mas preferi os que me parecem mais urgentes, e que para mim são mais fáceis de serem abordados, por serem também parte do que investigo. Assim, darei também aqui esse enfoque para mostrar a parte que mais me irrita, e mais me entristece nisso tudo.
Em primeiro lugar, é preciso separar o joio do trigo: existe uma coisa chamada "cultura", que é um aglomerado mais ou menos caótico mais ou menos controlável de dados, provenientes de "subculturas", e o olavismo, isto é, o trabalho aberto pelo Olavo em sentido mais amplo possível, é uma subcultura. Dentro dessa subcultura há uma grande ênfase em formação de novos leitores, nos estudiosos etc.: são os cursos do Instituto Borborema, do Falcón etc.. Então está todo mundo, os de grande nível como os de menor nível, enfocados em ensinar tudo o que você precisa saber para não ser um idiota, preparando pessoas para... ensinarem mais pessoas tudo o que elas precisam saber para não serem idiotas. Raríssimos os casos em que existe um tema efetivo da cultura real. A subcultura olavete se alimenta de si mesma e ensina a si mesma a ser si mesma. No melhor dos casos, ela assume os ares da "revolução brasileira" e luta contra o "perigo nacional". Nunca perigos específicos nem locais, porque não têm nunca audiência. Não obstante, Olavo mandava ocupar espaços locais e específicos, remover os comunistas do poder, que é estar numa cultura e ter cargos para exercê-la. Os olavettes, fechados em si mesmo, nem ganham espaço, por focarem apenas nos mesmos temas, nem conseguem deter o avanço do comunismo enquanto cultura. Já sabemos que não se vence a nível nacional, menos ainda pela política. Vou mostrar exemplos.

I] Quem se preocupou em, ao invés de reclamar das leis de incentivo à cultura, tomar espaço nessas mesmas leis para espalhar conteúdo que te interessa?[espero que de boa qualidade, claro]

II] Quem se preocupou em descrever como o comunismo influencia a sua cultura local?
Dou o exemplo da minha cidade, capital do estado. Existe aqui um órgão, DHNET, que tem toda a rede de comunistas, e serve para espalhar as informações, produzir livros etc.. Está associada ao centro histórico da cidade, e às bibliotecas de cunho regionalista. Nessa instituição estão associados arcebispos, padres, bispos, obviamente todos da Teologia da Libertação, e a história local é definida por esses grupos. É nessas livrarias que se reúnem e se conhecem os agentes da cultura e da política, e eles trocam figurinhas entre si, livros, sugestões etc.. A cultura local, pelo formato da escola brasleira, não têm influência em si, sobretudo porque o que é produzido de fato é fraco, mas aí entra o ponto III.

III] Nada do que é produzido nem localmente nem nacionalmente é criticado. Não fizemos uma crítica efetiva nacional. Existe o Rodrigo Gurgel, mas, até onde sei, seu trabalho é mais geral, mais histórico. Não é um Wilson Martins, nem um crítico de cultura como Olavo.

IV] Existe um sem-número de questões locais que espelham as nacionais e que, resolvidas aqui, resolvem as nacionais. Por exemplo: a minha região é influenciada pela ideia da desconstrução cultural por meio de autores como Durval Muniz, na Invenção do Nordeste. Ele é o "Foucault nordestino". Nunca refutado, nunca deasfiado, nem o doidão do Sidarta Ribeiro, talvez inteligentíssimo em neurobiologia, mas que por seus preconceitos pessoais iguala santidade à um drogado LSD ao uso de chás alucinógenas em religiões tribais, à simples loucura. Obviamente a mesma coisa"" Não existe crítica, não existe absolutamente nada. Nem um pio.

"Centros culturais" inteiros que não dão um pio sobre a cultura real em que estão imersas. Servem apenas para despejar mais pessoas com o "diploma virtual de leitor", "diploma virtual de latinista", "diploma virtual de cofista", mas com zero interesse até no que ocorre ao seu redor. Todos querem salvar "A Igreja", mas não perceber como está ocorrendo a formação do seminário da sua cidade, se é na universidade, se é enclausurado, como ocorre, que tipo de professores têm, o que se pode fazer a respeito. Nada, nem um pio.
Mas todos sabem que a esquerda é absurdamente ativa, e também uma avaliação rápida dos eventos locais, dos poetas locais, dos cursos técnicos ligados a "produção cultural" sera suficiente para revelar os erros e mostrar um mapa das referências de plano amplo. Refutando o local, refuta-se o universal. O oposto pode acontecer, mas quem vai refutar um universal que nem conhece como atua realmente, só por vagas notícias?

Ora, porra, puta que pariu""

Mas quem precisa, afinal, brigar com a realidade quando basta umas palavras no Facebook, twitter, Instagram, mais um curso de formação para doar novos formadores ad nauseam? Afinal isso dá mais dinheiro, prestígio, e estamos todos rezando porque Deus providenciará um futuro glorioso para nós que não fizemos nada para merecê-lo.



"Ah mas você está falando e não está fazendo nada, só criando discórdia"" "
E quem disse que não estou tentando? Mas, como esperado, dá trabalho. Não é da noite pro dia, e é exatamente por isso que eu fico irritado. Eu sei o tanto de trabalho e sacrifício eu fiz pra ter esse mínimo de informação que estou passando para vocês. Se falo isso, é porque tenho uma base organizada de informações. E é exatamente por isso que eu não vejo isso nos olavettes. Eu sei o quanto gasta, eu sei o tempo que leva, eu sei quantos dados são, e suponho como fica o discurso do sujeito que os tem, e não vejo quem os tenha. Não há menções, não há nenhum indício: todo mundo quer primeiro ficar totalmente inteligente para depois começar a conhecer os problemas que existe. Se é assim, é porque nenhum problema te afetou em nenhum momento, então, afinal, você não tem problemas para resolver, além dos seus próprios. Não digo que se deva colocar a carroça na frente dos bois e focar nos problemas antes de ter a formação, mas não ter nem mesmo feito um esboço da sua cultura, um mapa da ignorância de questões, possibilidades, de entender como é sua cultura, seu meio, a universidade ou faculdades, os centros de cultura etc., é porque, na prática, não estamos preocupados genuinamente com a cultura no Brasil, mas apenas em dispor do nosso espaço. Olavo trata de temas que ele viu, que ele sofreu junto, e que ele tentou resolver. Mas são os dele, não os nossos. Quais são os seus? O que te incomoda verdadeiramente? O que você viu, onde você está? Quer combater o comunismo? Como é o comunismo na sua cidade? Ou será que não existe? E se for tudo fantasia? Ou coisa de alguns locais específicos? Como saber se "Olavo tem razão"?

Ai ai ai.

+++
É isso, eu gastei tempo pra cacete neste texto, mas ele é meu último. Eu realmente estou cansado, e não é do olavismo em si, é só cansaço em geral. Eu vi mais do que queria, vivi mais do que queria, e tudo isso gerou um peso na memória e na consciência, que é, por assim dizer, uma histeria. Ao longo da minha trajetória desde que comecei a investigar Olavo, não como alguém a favor exatamente, em 2015, pedi apoio a gente de esquerda e de direita, vi bastante coisa, vi nexos causais entre movimentos que parecem dissociados, vi nomes que parecem grandes mas são na verdade frágeis, mantidos por mentiras, vi mentiras sem fim e covardias sem limite. Sei que esse final está muito inflado, e me lembro agora do Thiago Capanema quando desistiu das coisas kkk eu não desisti, ao contrário: como falei, vou voltar à minha raiz, que é fazer por ser divertido. E, no mais, focar na minha vida, que em tudo isso, em todas as sucessivas decepções de todos os lados os níveis, ficou em frangalhos. Não confundam: não falo no tom de quem acha que o mundo lhe deve algo. Longe disso: o que me incomoda é saber que o mundo está e permanecerá nas mãos de pessoas que não necessariamente se importam a mais mínima grama com o efeito do que fazem - nem mesmo [olha a bosta""] em se preocupar se o rumo que seguem não os levará a gastar a vida numa obra inútil, como é o caso, por definição, de boa parte dos autores locais, que são menores em relação aos nacionais e universais. Festival de bosta. Do começo até o fim, o único que vi que me estendeu uma mão foi Olavo: foi lendo seu livro o Jardim das Aflições que eu vi, talvez pela primeira e última vez, alguém vivo que estava genuinamente preocupado com aquilo que estava fazendo. Não era por pose, não era por "amor à terrinha", que é uma forma de amor a si, era simplesmente porque pessoas sofriam e precisavam de ajuda. E eu era uma delas. E acabou-se.

Todos os olavettes em geral são jovens. Há um futuro inteiro pela frente, tudo pode mudar ainda, e mudar até para melhor. Eu me recolho e esperarei esse dia. De minha parte, mesmo que eu termine algum projeto, eu não sou ninguém, de verdade, então se eu pudesse ao menos evitar que algumas pessoas gastassem a vida com uma obra inútil, isso para mim seria mais do que eu mereço.

O blog permanecerá aberto.

Até talvez uma próxima, pessoal.




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Sobre o Blog: O presente blog tem como objetivo organizar um pouco das informações esparsas sobre a obra do professor e filósofo Olavo de ...