sexta-feira, 9 de outubro de 2020

Quem Está Centrado no Cu?

Meus artigos são escritos para dois públicos: os saudáveis e os histéricos. O primeiros aprendem alguma coisa, os segundos ficam mais histéricos ainda. Tudo conforme o planejado

Exemplo de reação [a página é fake, mas a citação realmente ocorreu, conforme registro na página Olavo de Carvalho no Facebook]

Artigo que será usado como exemplo: 

  • A ESTRANHA OBSESSÃO DE OLAVO DE CARVALHO PELO FURICO ALHEIO
    • Subtítulo: Olavo de Carvalho fala, escreve e provoca recorrendo à palavra ‘cu’. O professor que parece só pensar naquilo teria indicado dois ministros de Bolsonaro.
  • Site: The Intercept Brasil
  • Autor: Mário Magalhães
  • Data: 28/11/2018
  • Horizonte da Crítica: A primeira metade do artigo está na IV; a segunda metade, na III

Para ser sincero enquanto lia o artigo do Mário Magalhães eu mesmo comecei a entender melhor o que Olavo quer dizer sobre o papel literário dos palavrões. Não que eu não soubesse, mas as frases escolhidas pelo Mário são maravilhosas para perceber que se percebe - ainda mais em contraste com o que ele próprio entendeu delas - que foi, diga-se de passagem, nada.

É por esse absurdo na reação perante seus próprios escritos que Olavo reafirma com cada vez mais veemência o analfabetismo funcional precisamente daqueles que falam mal contra ele - que constitui a opinião média universitária, seja de alunos ou de professores -, porque: 1- eles não pararam para ver qual o tema principal de sua obra; 2- pressupõe-se que essa ideia sequer lhes passou pela cabeça; 3- passaram por frases com sentido mais amplo e também o sentido a mais passou-lhes despercebido, seja por incapacidade própria, seja por não ser capaz de associar essa possibilidade ao autor (no caso, Olavo).

A primeira parte do texto (está na 4ª categoria) é uma coleção de "cus" que o Mário fez questão de recolher para montar seu artigo jornalístico. Isso, sim, faria-nos questionar: "entre quem fala cu algumas vezes, dentre uma imensidão de outras coisas, e aquele que sai a procura só dessa palavra, qual dos dois se interessa mais pelo cu?" Brincadeiras à parte, a segunda parte do texto é uma exposição de afirmações que o Olavo fez sobre questões políticas e fatos que eu não domino, então não posso comentar (quem souber e tiver alguma fonte, adoraria ouvir para expor exemplos).

É evidente que a primeira parte do texto é uma tentativa de desqualificar o autor para, depois de se posicionar como superior perante o público, formular seu argumento que será, assim, muito mais acreditável. Mas para o leitor mais atento e que não entenda do texto só o que foi mandado entender, basta ver as citações escolhidas. Diz o Mário:

  • Carvalho especulou no passado sobre palavrões: “Segundo entendo, foram inventados precisamente para as situações em que uma resposta delicada seria cumplicidade com o intolerável”. 
    • [Olavo sobre a intenção dos palavrões, mas esta é mais sutil. Eles não entendem por que essa é uma situação intolerável]
  • Não trai cumplicidade, e sim receio, ao se referir a contendores políticos: “Os caras vêm com uma piroca deste tamanho e põem no nosso cu”. Uma variante, físico-erótico-estética: “Toda piroca se torna invisível ao entrar no seu cu”.
    • Imagino ser desnecessário explicar a incomodidade física do ato. Mas em sentido metafórico, refere-se a medidas, ações de grande impacto e que simplesmente deixamos passar. E a variante colocada, em particular, é ainda mais interessante. "Toda piroca se torna invisível ao entrar no seu cu". Essa frase é a versão "huehue" da noção que Olavo expressa sobre consciência enquanto algo que nunca está estável: ou nós a estamos elevando, ou ela está decaindo. E quanto mais decai - no caso, a partir dos problemas que "deixamos passar" -, menos notamos que houve um problema. Essa frase ecoa com bastante intensidade e detalhamento no "Jardim das Aflições", por exemplo. Sobretudo porque parte do interesse do Olavo é sobre os meios que são usados para evitar o desenvolvimento da consciência, seja pela propaganda, seja pelas técnicaspersuasivas em nível mais subliminar (como PNL, tom de voz etc.), seja por recursos grupais usados em seitas ou, segundo Pascal Bernardin (Maquiavel Pedagogo), na própria metodologia de ensino escolar. Se evoluir mais ainda dá para checar na distinção entre retórica (tal como trabalhado em Aristóteles em Nova Perspectiva) e a Erística (na edição olavette do livro do Schopenhauer, "como vencer um debate sem precisar ter razão")
  • Carvalho se embrenhou na dialética do fiofó: “Esquerdistas são pessoas que lutam pelo direito de dar o rabo sem ser discriminadas, ao mesmo tempo em que protestam para reclamar que só tomam no cu”.
    • Não precisa dizer que o Mário usa de sinônimos de "cu", mas que não possuem qualquer sentido a mais, além do literal. Olavo monta frases que são verdadeiros aforismos, apesar do tom jocoso.
    • É sem graça explicar uma piadinha, mas dar o rabo é associado a sofrimento. Então ao mesmo tempo em que lutam por algo de valor individual (sexualidade e exposição da auto-identificação), reclamam por estarem sendo expostos a conflitos que surgem pelos mesmos gostos de valor individual, opostos ao seu.
  • o ex-astrólogo que se apresenta como “escritor de envergadura universal” derrapa na aula de história. “Não se pode vencer uma guerra dando o cu”, pontificou. Do além, guerreiros gregos de outrora gargalham com a ignorância do professor.
    • Não tenho conhecimentos de história suficientes para argumentar a respeito. Mas "dar o cu" aqui se refere à passividade, à rendição. Excetuando o "dar o cu" como estratégia de combate entre líderes, por exemplo, que foi o caso particular imaginado pelo Mário, imagino, a forma como foi exposta é no sentido de, ao invés de se preocupar em vencer o combate, preocupar-se com o prazer pessoal. E é correto. Se um dos lados está "brincando" (ou se apaixonando, amando, enfim, em ócio) e o outro está planejando o combate, fica óbvio qual dos lados vai ganhar. Caso, aliás, associado ao Ocidente em oposição aos grupos que lutam pelo poder mundial. Também nesse assunto não sei o bastante para argumentar. Mas é como a situação que Olavo comenta sobre a China, que rouba segredos industriais (e só foi revelado a dos EUA porque eles tem tecnologia o bastante e deram sorte) em oposição ao Brasil de Fernando Henrique Cardoso, que não liga para as implicações disso porque neste momento específico consegui ganhar algum dinheiro exportando soja para a China. O fato de que roubando tecnologias eles podem produzir mais e melhor e parar a importação de soja nossa nem aparece como questão.
  • É o próprio Olavo de Carvalho, 71, quem associa xingamentos e prazer: “A velhice é uma delícia: você não precisa respeitar mais ninguém, pode mandar todo mundo tomar no cu. É uma libertação”.
    • Minha avó também já me disse isso. Minha mãe já se aproxima da fase. Após uma carreira já consolidada, na "fase de aposentadoria" - mesmo que no caso de Olavo ele permaneça ativo por escolha própria-, as aparências sociais importam menos. Deve ser bom isso, eu, pessoalmente, sei o quanto pesa, quantos sapos se engolem por isso. E, muitas vezes, apoiamos algo que consideramos errado por medo das aparências, de perder emprego ou reputação (que importa para o emprego) etc.. 
    • Com exceção, é claro, dos sujeitos que seguem uma das 3 vias ensinadas pelo Olavo no COF (não lembro em qual aula) por via do escritor romeno Nicolae Steinhardt, no seu livro escrito sobre sua fase como prisioneiro político, "O Diário da Felicidade". São os mais próximos dos místicos, como Francisco de Assis, que se "despem" da sociedade (literal ou figurativamente) e dedicam a vida à sinceridade até suas últimas consequências. Não se trata do sujeito "super sincero" tal como imaginável pela Globo; essa sinceridade externa pode, inclusive, ocultar a verdadeira sinceridade.
  • A obsessão pelo furico alheio não é comportamento merecedor de considerações morais, e sim um mistério da alma de Carvalho. 
    • Para fechar as frases, coloco essa. Aqui o Mário Magalhães tem um lampejo de sinceridade. "é um mistério da alma de Carvalho". De fato, é mesmo. Um mistério inacessível, como ele próprio demonstrou, a quem só estiver interessado em procurar "cu" como o orifício anal, sem se abrir para as possibilidades linguísticas. Em igual proporção, a quem só quiser ver a banalidade de um ser humano, e não suas possibilidades latentes mais altas, acessíveis mesmo nessas partes menores de uma obra bem maior. Tema, aliás, tratado por Olavo no seu ensaio contemplação amorosa, e presente também na noção da círculo de latência.
    • O Mário pressente, mas prefere antes se render a sua própria aparência de bom jornalista do que de se inquirir o que mais pode haver ali. Principalmente se levar em conta que ele cita como referência inúmeras vezes a página com citações recolhidas do Olavo sobre cu, que possui verdadeiras pérolas. A menos que ele tenha fechado os olhos e colhido aleatoriamente, algumas delas ele deve ter visto. Mas e que importa? Basta ver o que se quer ver.

Vou organizar devidamente um artigo "A Razão nos Palavrões" para iniciar melhor o tema sobre palavrões. Este texto aqui serviu para mostrar um exemplo de análise e principalmente de chave de classificação para o horizonte de consciência da crítica.

É de fato uma situação muito triste para o aluno que teve uma mínima ideia sobre o que de fato é o trabalho do Olavo enxergar essas paródias grotescas feitas pelas mesmas pessoas que, ao passar por todo o rumo do estudo formal, se comprometem, seja pela obrigação herdada pelo canudo, seja por um compromisso pessoal, a compreender as coisas a sério em prol dos outros. A maior parte da crítica cai nas categorias IV ou III, no máximo, e isso é sinal de decadência. Seria ainda mais triste, se não fosse esse exatamente o tema que Olavo vem trabalhando há bem mais tempo do que eu próprio nasci - e se não fosse, afinal, uma prova e amostra de estudo para os alunos, além de motivacional para seguir um exemplo contrário. Mas é triste que para todos esses, a alma de Olavo, que representa a alma de um homem de estudo superior, isto é, de alguém que tentou entender um tema acima e além do pequeno círculo de sua especialidade, e ajudar os outros com base nisso, se torne, para tanta gente que parodia esse papel, um "mistério" de tom esotérico. Falta amor no Brasil.



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